A Vida na Graça
Hebreus 4.14–16: 14Tendo, pois, Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que adentrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. 15Porque não temos sumo sacerdote que não possa se compadecer das nossas fraquezas; pelo contrário, ele foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. 16Portanto, aproximemo-nos do trono da graça com confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça para ajuda em momento oportuno.
Introdução
Pensemos sobre aquele dia em que todos compareceremos diante do Senhor. Um dia em que cada pensamento, cada palavra e cada ação serão examinados com justiça perfeita. Imagine sua vida inteira passando diante do olhar santo de Deus — pecado por pecado, sem que nada fique oculto. Suponha que pequemos apenas três vezes por dia (o que já seria surpreendentemente pouco). Ao final de um ano, teríamos cometido mais de mil pecados; em uma vida de 60 anos, seriam mais de 65 mil.
Agora pense: como se apresentar diante de um Deus justo com essa enorme carga de transgressões? O versículo anterior ao nosso texto nos lembra:
“E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas.” (Hebreus 4.13)
Diante disso, qual é a nossa esperança? Se nossas boas obras fossem colocadas em uma balança com nossos pecados, certamente os pecados pesariam mais. Então, como podemos comparecer diante de Deus?
A resposta é simples e gloriosa: pela graça!
“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” (Efésios 2.8-9)
É sobre isso que o autor de Hebreus está tratando neste trecho. Viver pela graça — não pela religiosidade, não por méritos ou desempenho espiritual. A essência do evangelho não é: “faça algo para que Deus o aceite”, mas sim: “Deus já te aceitou em Cristo, e por isso, agora você pode obedecê-lo com amor, gratidão e liberdade”.
Infelizmente, muitos que se dizem cristãos ainda vivem apenas uma religiosidade vazia, como tantas outras religiões que buscam a salvação por obras: islamismo, budismo, hinduísmo, judaísmo. Há quem ache que será aceito por Deus simplesmente por “não ter matado, roubado, por ir à igreja ou dar o dízimo”.
Timothy Keller resume bem essa confusão entre religião e evangelho:
"A religião (‘eu obedeço – por isso sou aceito’) produz orgulho se os padrões são alcançados, ou inferioridade se falhamos. Mas o evangelho (‘sou aceito por meio de Cristo – por isso obedeço’) nos torna humildes e confiantes ao mesmo tempo… Somente o evangelho dá o equilíbrio que necessitamos." (Timothy Keller, Igreja Centrada)
Entendendo o Contexto de Hebreus
O autor de Hebreus está escrevendo a cristãos judeus que estavam sendo tentados a voltar ao judaísmo. Muitos deles, após crerem em Jesus, estavam enfrentando perseguição e sentiam-se tentados a abandonar a fé cristã para retornarem à antiga religiosidade baseada em obras e méritos.
Hebreus, então, é uma carta pastoral e apologética. Seu objetivo é mostrar a superioridade de Cristo: Ele é superior aos anjos (cap. 1), superior a Moisés (cap. 3), superior ao sacerdócio levítico (caps. 4–7), superior aos sacrifícios do templo (caps. 9–10).
Neste contexto, o trecho que lemos (Hebreus 4.14-16) apresenta um chamado para permanecermos firmes na graça e, ao mesmo tempo, um convite para vivermos confiantes no acesso ao trono de Deus. O autor faz duas exortações:
1. Permaneça na Graça – vv. 14-15
A primeira exortação é clara: “Conservemos firmes a nossa confissão” (v.14). Ou seja, permaneçamos firmes na fé que professamos, mesmo em meio às dificuldades. Para isso, o autor nos lembra quem é Jesus:
a) Jesus é o grande Sumo Sacerdote
Nos tempos do Antigo Testamento, os sacerdotes ofereciam sacrifícios em favor do povo. O sumo sacerdote, uma vez por ano, entrava no Santo dos Santos para interceder pelo perdão dos pecados da nação. Mas Jesus é muito mais do que isso. Ele é chamado aqui de “o grande sumo sacerdote”.
Ele não apenas ofereceu um sacrifício — Ele mesmo foi o sacrifício. Ele não entrou em um santuário terrestre, mas penetrou os céus, assentando-se à direita do Pai.
Jesus é grande porque:
- É o Filho de Deus, não um sacerdote qualquer;
- Venceu a morte e reina nos céus;
- Ofereceu a si mesmo, sem pecado, como substituto pelos nossos pecados.
b) Jesus se compadece de nós
No versículo 15, o autor afirma que temos um sumo sacerdote que se compadece de nossas fraquezas. Jesus conhece nossas dores, porque Ele mesmo experimentou a vida humana em sua plenitude — fome, sede, cansaço, tristeza, rejeição. Ele foi tentado em tudo, mas sem pecado.
Isso significa que temos um Salvador que não apenas nos perdoa, mas também nos entende. Ele não é indiferente à nossa dor. Ele sabe o que é ser humano. Como disse o pastor Joel Beeke:
“Considere o que Cristo sofreu, suas dores de corpo e alma: Acusado de crimes que não cometeu, seus discípulos fugiram no momento de sua dor, um dos seus melhores amigos fingiu que nem sequer o conhecia. Cristo enfrentou nada menos do que a cruz e sua infâmia. Dele foram subtraídos toda a honra na terra, sua dignidade e direitos como Deus. Trataram Cristo pior do que trataríamos um cão. Espancaram seu corpo até virar uma pasta de sangue e em seguida pregaram sua carne tenra a uma cruz áspera, onde ficou pendurado em agonia por horas. A escuridão desceu sobre ele - não apenas a escuridão dos céus, mas a escuridão da alma - de tal modo que clamou: 'Meu Deus, meu Deus, por que desamparaste?' [...] Contudo, Cristo desprezou a dor e a humilhação da Cruz pela alegria que estava posta diante dele. Ele considerou esses sofrimentos algo pequeno em comparação a felicidade infinita e eterna de glorificar a Deus por meio da salvação dos pecadores. Ele estava trazendo muitos filhos à Glória."
Jesus sofreu o castigo que era nosso para nos oferecer a salvação como um dom gratuito. A salvação vem sim por obras — mas pelas obras de Cristo, não pelas nossas.
2. Desfrute da Graça – v.16
Diante dessa verdade maravilhosa, o versículo 16 nos convida a uma ação confiante e doce:
"Portanto, aproximemo-nos do trono da graça com confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça para ajuda em momento oportuno."
A vida cristã não deve ser vivida com medo, insegurança ou dúvida. O caminho até Deus está aberto. O véu foi rasgado. Podemos nos achegar a Deus com ousadia, como filhos que correm até os braços do Pai.
E ali, no trono da graça, encontraremos exatamente o que precisamos:
- Misericórdia é o “amor de Deus demonstrado para com os que se acham na miséria ou na desgraça, independentemente dos seus méritos” (Berkhof, Teologia Sistemática). Comumente definimos misericórdia como aquilo que merecemos e Deus não nos dá, isto é, merecemos condenação e Deus não nos dá.
- Graça é favor imerecido. Graça é aquilo que Deus nos dá, mas que não merecemos. Isto é, tudo é graça!
- Socorro/Auxílio é a a bondade de Deus que nos ajuda, nos abençoa, e nos conduz para sua glória. Ele é um Deus que trabalha por aqueles que Nele esperam (Isaías 64.4). Assim lemos no Salmo 46.1–3: "Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. Portanto, não temeremos, ainda que a terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares; ainda que as águas tumultuem e espumejem e na sua fúria os montes estremeçam."
Conclusão e Aplicações
A vida cristã é vida na graça. Não caminhamos com Deus para sermos aceitos por Ele, mas porque já fomos aceitos em Cristo. Por isso, irmãos:
- Permaneçam firmes na fé, sabendo que Jesus é o Sumo Sacerdote que intercede por nós;
- E vivam com confiança, se achegando ao trono da graça para adorar e para buscar seu auxílio, pois Ele é nosso socorro.
Que o Senhor nos ajude a viver nessa liberdade de filhos amados, não como religiosos ansiosos por aprovação, mas como pessoas que conhecem e desfrutam da graça que salva, sustenta e transforma.